Bar Central I: Sertânia na década de 60

* Prof. José Ivan de Lima

Numa das mesas, em postura sonolenta, Pinto do Monteiro segurava sua viola vestida numa bata caqui. De frente para ele, Lino Pedra Azul, também repentista, olhava para os lados procurando alguém para conversar, já que Pinto estava muito desanimado. Em outra mesa, conversavam animadamente Manfredo Nigro, Fernando Moraes, Hercílio Teixeira e Vamberto Davi. Fernando comentava, ironicamente, críticas de alguém ao vereador Manfredo Nigro, por ele ser comunista. Seu Nigro ria silenciosamente, enquanto a fumaça do seu charuto lhe escapava pelo nariz. Todos riam com a tentativa de seu Vamberto de higienizar a xícara cheia de café colocando–a inclinada para um lado, de forma que ao mexer o açúcar, derramava parte do liquido. Para eles era um desperdício.  Noutra mesa conversavam sobre o comércio de algodão Epaminondas Moraes, Raul Guimarães e João Chaves. Seu Raul, de óculos escuros, vestia um terno branco com uma das mangas colocada no bolso do mesmo, visto que ele só tinha um braço, perdido como o de Olavo Siqueira, num acidente em máquina de beneficiar algodão ou desfibrar caroá. Sertânia já vislumbrava a decadência do comercio de algodão, mas não imaginava o tremendo vácuo da produção agrícola e a pobreza do campo  que dura até hoje.

Chegava o trem de ferro exatamente às 10 horas da manhã. Pessoas apressadas entravam bar a dentro em busca de um lanche rápido para logo  voltar ao trem e prosseguir viagem até Recife, onde deveriam chegar à noite. O Bar Central ficava localizado na Av. Agamenon Magalhães onde hoje funciona a loja LW Sapatos. Ficava quase vizinho da SANBRA (Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro), multinacional que junto com outras comprava o nosso algodão. No local funciona hoje o Banco do Brasil e seu estacionamento. Era, portanto, excepcionalmente bem localizado e procurado pelos  políticos da terra para discutir as últimas do Repórter Esso, política em geral, além de novidades atuais da Sertânia na época. Foi arrendado por meu pai, João Francisco de Lima, por mais ou menos 2 anos. Foi ali que ainda meninote comecei a presentear debates de violeiros e a inspirar os ares intrigantes da política, se bem que menos do que os ares de hoje.

Vicente e João Beirão, dois carapuceiros, entram bar adentro pedindo sarapatel com vinho indiano, espécie de “iguaria” deles, logo também pedida por outros. Divertido acidente zoológico acontece, com nosso cachorro, que chamávamos de Dog (não sabíamos que Dog em inglês significava cachorro, o que divertia muito um colega de escola já rapazola chamado Herbert Leal). O cão entra correndo perseguido por uma linda e valente gata preta, xodó da minha mãe. Era uma desmoralização. Uma gata botando um cão para correr. De repente, como que programado para aliviar o vexame do meu cachorro, no meio da algazarra, entra no ar o Serviço de Alto Falantes EMOIR (Epaminondas Moraes e Irmãos), cuja difusora ficava no telhado do prédio do Sindicato Rural, hoje loja Eletro Center. O locutor da época, que se não me engano era João Trajano, começa a programação anunciando a música que era sucesso em todo nordeste, cantada pelo pernambucano Orlando Dias, hoje regravada por Bruno e Marrone.

“Tu és a criatura mais linda

Que meus olhos já viram

Tu tens a boca mais linda

Que a minha boca beijou”

Era uma Sertânia próspera, barulhenta e até alegre,  à qual eu deslumbrado assistia do balcão do Bar Central e pouco entendia.  Já estava vivendo a minha história de vida, que relembro hoje saudosamente.

Professor e vereador José Ivan de Lima – Foi Diretor da Escola Olavo Bilac, Prefeito, Vice-prefeito e Presidente da Câmara de Vereadores de Sertânia.

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