Brigas e desentendimentos com PT e PSB marcam trajetória política de Marília Arraes

Na noite desse domingo (21), mais um capítulo da história política da deputada federal Marília Arraes foi escrito quando ela entrou em rota de colisão com a direção estadual de seu partido, o PT, alegando que dirigentes usam seu nome como ”massa de manobra” em negociações com o PSB em Pernambuco.

A parlamentar publicou um comunicado nas redes sociais manifestando descontentamento com a indicação de seu nome para o Senado na chapa da Frente Popular afirmando não ter sido consultada para autorizar a decisão, o que, para ela, revela “descuido” e “uma precipitação sem limites”.

Marília se tornou um dos nomes mais expressivos do Partido dos Trabalhadores nos últimos anos em Pernambuco, disputando um segundo turno no Recife, em 2020, e conseguindo ser a segunda deputada federal mais votada do Estado, em 2018, com 193.108 votos. Porém, a relação com a sigla não é das melhores e desde o mês passado circula a informação de que ela pode desembarcar do PT e seguir para uma nova legenda.

Caso saia do PT, será a segunda saída conturbada de um partido por Marília Arraes. Isso porque em 2016 ela deixou o PSB, partido de seu avô, o ex-governador Miguel Arraes, e de seu primo o ex-governador Eduardo Campos. 

A passagem pelo PSB

Primeira neta de Arraes, Marília cresceu em ambiente político. Ela filiou-se ao PSB em 2005. Três anos depois, em 2008, aos 24 anos, elegeu-se vereadora com 9.533 votos. Ela foi secretária municipal e teve dois mandatos na Câmara do Recife pelo PSB e um terceiro mandato, esse último já pelo PT. 

Desde agosto de 2014, a vereadora passou a atuar como oposição à gestão do Executivo municipal comandada pelo PSB. Naquele ano, ela teve um desentendimento com Eduardo Campos em 2014. Segundo ela, Campos impôs o nome de seu filho, João Campos, atualmente prefeito do Recife, para comandar a Juventude do PSB, “quando todos esperavam que houvesse uma disputa e diálogo saudáveis dentro do segmento”.

Após o racha familiar, João desistiu de disputar o posto, que lhe garantiria assento na Executiva Estadual da sigla. Marília, por sua vez, teve inviabilizada a disputa por uma vaga na Câmara dos Deputados. Então, ela deu passo concreto à oposição e anunciou apoio à reeleição de Dilma Rousseff e a Armando Monteiro (PTB), adversário do PSB, para o governo de Pernambuco.

Pichações

Divulgação
Pichações no Recife chamaram Marília Arraes de traidora em 2014 – Divulgação
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Pichações no Recife chamaram Marília Arraes de traidora em 2014 – Divulgação
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Pichações no Recife chamaram Marília Arraes de traidora em 2014 – Divulgação

Após o anúncio do apoio a Dilma e Armando, muros do Recife surgiram pichados com frases ofensivas e machistas contra Marília Arraes. Uma das pichações foi feita em frente ao prédio da mãe da socialista, na Zona Norte da capital. Entre as acusações, “traidora” e até “gorda”. 

No Facebook, a então vereadora se posicionou sobre o ocorrido e atribuiu indiretamente ao PSB a responsabilidade do ato. “Independentemente de quem ‘executou o serviço’, sabemos que esse tipo de manifestação é consequência da despolitização pela qual passa o PSB, as atitudes de seus (supostos) líderes e a (falta de) formação política de seus seguidores”, disse.

Campos

Após a morte de Eduardo, a tensão entre Marília e a família Campos continuou. Em 2016, ela alfinetou a nomeação dos filhos do ex-governador para cargos públicos. “Agora é oficial! Pernambuco tem sua própria Família Real. Ou seria a reedição do clã Kennedy no nosso Estado?”, postou nas redes sociais. Na época, João Campos foi nomeado para ser o chefe de Gabinete do governador Paulo Câmara, mesmo cargo ocupado por seu pai no segundo governo de Miguel Arraes, entre 1987 e 1990. E a irmã de João, Maria Eduarda Campos, havia sido nomeada para o Instituto Pelópidas Silveira, da prefeitura do Recife.

Em fevereiro de 2016, Marília Arraes deixou oficialmente as hostes socialistas. Em sua carta de desfiliação, ela acusou o “núcleo duro da legenda” no Estado de criar uma espécie de “atmosfera” “para o controle à mão de ferro” tanto da própria sigla quanto da política de Pernambuco “em toda a sua estrutura”.

De acordo com a parlamentar, à época, o comando do PSB pernambucano buscava “ocupação completa de todas as instâncias de poder existentes, nas esferas estadual e municipal: Executivo e legislativos municipais, Judiciário e Tribunais de Contas, utilizando-se dessas últimas instituições, inclusive, como “polícia política”.

Entrada no PT

Ricardo Stuckert / Instituto Lula
Marília se filiou ao PT em 2016 e teve a ficha abonada por Lula – Ricardo Stuckert / Instituto Lula

Após deixar o PSB, ainda como vereadora do Recife, Marília Arraes oficializou sua filiação ao PT durante a festa de comemoração dos 36 anos do partido no Rio de Janeiro. Na época, ela postou uma foto com o ex-presidente Lula, na qual ressaltou que sua ficha de filiação foi abonada pelo petista. “Início de uma nova etapa da minha vida na política, como sempre, crescendo na adversidade, com a ficha abonada pelo homem que mudou o Brasil”, escreveu Marília.

Ela se reelegeu vereadora pelo PT e viveu em lua de mel com a sigla até esbarrar na eleição de 2018. Ao ver uma possibilidade de disputar o Governo de Pernambuco contra Paulo Câmara (PSB), Marília se lançou como pré-candidata a governadora e rodou o Estado. Eram frequentes as entrevistas dela em rádios da capital e do interior apontando erros do PSB e defendendo sua candidatura ao Palácio do Campo das Princesas para quebrar a hegemonia dos socialistas.

A petista ainda teve acenos positivos da presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, e do próprio ex-presidente Lula. Mas, uma ala do partido em Pernambuco, liderada pelo senador Humberto Costa defendia que uma aliança com o PSB no Estado seria melhor para o partido do que lançar uma candidatura própria. 

Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula
Marília Arraes buscou aval de Lula para ser candidata em 2018, mas enfrentou resistências locais, da ala de Humberto Costa, aliado do PSB – Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula

No fim das contas, para sufocar a candidatura de Ciro Gomes a presidente, em 2018, o PT nacional fechou um acordo de não agressão com o PSB para beneficiar Fernando Haddad e, em troca, o partido abriu mão de ter candidatura em Pernambuco, rifando Marília.

Na época, ela ainda contrariou a sigla, disse que continuaria na pré-candidatura e enviou recurso à Executiva Nacional, mas não adiantou. Não tendo apoio para disputar o Governo, Marília se elegeu deputada federal a segunda mais votada do Estado e ainda viu o partido reeleger Humberto para o Senado e eleger Carlos Veras para a Câmara Federal, mas o racha ficou evidenciado no partido. 

Em 2020, Marília Arraes conseguiu disputar pelo PT a prefeitura do Recife, mas criticou uma ala do partido que teria agido internamente para a candidatura.

“Em 2020, nas eleições para a Prefeitura do Recife, a cúpula do PT fez de tudo para inviabilizar politicamente a minha campanha, o que ajudou a dar a vitória ao adversário”, afirmou ela nesse domingo (20).

Mesa Diretora

Já como deputada federal, Marília Arraes teve um desgaste com o PT quando foi escolhida para a segunda-secretaria da Câmara, em 2021. A indicação ao cargo coube ao PT, que escolheu inicialmente João Daniel (PT-SE).

Marília não abriu mão de concorrer, se lançou de forma avulsa e venceu João Daniel em segundo turno. O partido chegou a indicar Marília Arraes nas vésperas, mas desistiu e escolheu por maioria indicar João Daniel. A candidatura de Marília provocou insatisfação interna.

2022

Divulgação
Marília diz apoiar Lula independentemente do destino que tomará nas eleições de 2022 – Divulgação

O PT e o PSB, após idas e vindas marcharão juntos na eleição de 2022. Os petistas apoiarão Danilo Cabral para governador de Pernambuco e deverão indicar um nome ao Senado da chapa na Frente Popular. Com a possibilidade de perder Marília, o PT de Pernambuco, em reunião na noite do domingo (20), indicou o nome da deputada federal para ser a postulante a essa vaga no Senado.

A atitude do partido evidenciou mais um momento de descontentamento de Marília com os dirigentes, pois ela sequer participou da reunião. “Não autorizei que envolvessem o meu nome em qualquer negociação, menos ainda que tornassem público, como se fossem os senhores do meu destino”, escreveu a deputada.

Agora, às vésperas de um novo pleito, o caminho que Marília vai tomar pode ter peso nas eleições estaduais. O nome da petista vem sendo cotado em diferentes partidos e até numa chapa com Raquel Lyra (PSDB). Por ora, ela coloca apenas que que está conversando com lideranças de Pernambuco e que deve anunciar nos próximos dias os seus planos para as eleições de outubro. A parlamentar também pondera que o ocorrido não compromete seu apoio “incondicional” à campanha de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência.