Quando os últimos foram os primeiros

Assistindo ao desfile escolar do último 7 de setembro, vieram lembranças relativas a outro desfile, bem distante no tempo e nas circunstâncias. Estávamos em plena década de setenta,no ápice do regime militar. A ditadura procurava supervalorizar o 7 de setembro, mexendo com os sentimentos cívicos de todos, que, por sinal, eram mais fortes do que na atualidade. Muito diferente mesmo. A motivação era tanta que resolveram premiar com uma taça a escola que fizesse o melhor desfile.

O assunto logo eletrizou o mundo estudantil, e todos se prepararam para participar. Foram muitas horas ensinando alunos a marchar, como se militares fossem. Tinham que entrar no clima desse evento. Procurando inovar, o Pe. Cristiano implantava um tipo de manobra com quatro filas de alunos, nos acessos à direita ou esquerda. O Prof. Vital intensificava, junto a seus auxiliares, os treinamentos com pelotão sem comando, tudo para mostrar no grande dia.

E ele chegou ensolarado e inesquecível. Todos que foram assistir estavam excitados pelo clima de disputa. A Comissão Julgadora se deslocava para vários pontos da cidade, acompanhando e analisando as escolas, dentro de critérios determinados. Lembro-me vagamente de dois deles, o Dr. José Leal, de óculos escuros e ar compenetrado, e o Tenente Cristóvão, como representante do exército, na ocasião. Na passarela, como escola de 1º e 2º graus, tinha o Ginásio Olavo Bilac e parece-me a Escola Nossa Senhora de Fátima, conhecida como Colégio das Freiras, cujo 2º grau era o científico, enquanto o G. Amaro Lafayette tinha primário e ginasial (1º grau menor e maior).

A Escola das Freiras era, portanto, a grande novidade da ocasião. Na minha opinião, hoje depurada pelo tempo, o Olavo Bilac destacava-se pelo colorido visual. O verde e branco dele favorecia arranjos diversos e agradava mais às pessoas. Tinha mais alunos, mais admiradores. Causava mais vibração. O Amaro Lafayette destacava-se pela disciplina, marcha cadenciada e bem executada, além de coreografias com pelotões. Era tudo intenso e emocionalmente contagiante. O Colégio das Freiras, vestido de azul e branco, foi mais discreto, apresentou menos alunos, mais foi muito organizado, além da empolgação de ser a grande novidade.

Concluído o desfile, com os atrasos de praxe, esperava-se o anúncio de quem teria sido o vencedor. O meio estudantil fervilhava. Não existia na época o entretenimento com o funk invasor e a internet. As emoções eram mais identificadas com os acontecimentos reais. Tudo era marcante, autêntico e também conspirador. Passou-se a noite, e nada. Também não tínhamos rádio local e a televisão ainda era precária. Era o famoso de boca em boca. “Estão querendo roubar o GIAL!” Diziam seus alunos. Sai prá lá “urubu de papo branco!” Era assim que a combinação do azul marinho com branco do GIAL era condenada pelos alunos desafetos.

Atribuíram ao Tenente Cristóvão uma frase: não vai ter briga, ninguém vai ficar com raiva. Logo a seguir veio o desfecho. Deram ao Colégio das Freiras o título. Frustração do pessoal do GIAL, alívio dos alunos do Olavo Bilac e vibração dos alunos do Colégio das Freiras, que mesmo desconfiados com a possível lambança comemoraram o resultado surpreendente.

Houve também quem acreditasse que, por ser menor e bem organizado, o Colégio da Freiras tenha preenchido melhor os critérios exigidos pela comissão. Imagino que, onde bem estiverem, as almas do Dr. Zé Leal e Te. Cristovão, possíveis artífices do acordão, ao lerem esse texto, rirão saudosamente. Lembrarão de quando em Sertânia, assim como na Bíblia, “os últimos foram os primeiros”.

Professor e vereador José Ivan de Lima – Foi Diretor da Escola Olavo Bilac, Prefeito, Vice-prefeito e Presidente da Câmara de Vereadores de Sertânia.

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